Nos últimos tempos temos tido a satisfação de ver grupos sub representados na mídia ganhando espaço e começando a refletir a realidade brasileira nas telas das tvs e nas redes sociais. Uma das áreas mais refratárias a mudanças culturais, a publicidade vem abrindo espaço para a diversidade, de maneira mais ou menos acertada.
No tocante às pessoas com deficiência, vimos um boom de representatividade. No último dia das mães, por exemplo, várias propagandas mostrando famílias com crianças com deficiência foram veiculadas. Uma delas foi especialmente feliz. A Johnson’s homenageou todas as mães apresentando um bebê fofo. O vídeo, que ia revelando pequenas partes de seu corpo, para no final focalizar em seu contagiante sorriso e olhinhos característicos da síndrome de Down viralizou no Brasil e no exterior, onde ainda são raros os comerciais com modelos com deficiência. O slogan da campanha era: “Para nós e para todas as mães, todo bebê é um bebê Johnson’s”. O simbolismo deste personagem é enorme pois o “Bebê Johnson’s” habita o imaginário da população como sinônimo de criança linda, saudável e feliz, como todas as crianças deveriam ser. Um golaço, com milhares de mães consumidoras que nunca se sentiam representadas emocionadas curtindo e compartilhando.
Esta semana foi a vez do OMO contribuir para a publicidade inclusiva. A campanha #MomentosQueMarcam chama todos a participarem com fotos e vídeo de momentos de alegria e sujeira – que depois poderá ser facilmente lavada pelo sabão em pó. E até isso pode virar brincadeira. No vídeo de apresentação, imagens de duas crianças com síndrome de Down e uma autista, misturadas com negros, brancos, orientais, todos muito felizes. A vida como ela é. Diversa como a nossa comunidade. Outra bola dentro.
Já o creme contra assaduras Bepantol Baby, da multinacional Bayer, resolveu circular na contra-mão da inclusão. Decidiu usar imagens de crianças com deficiência todas juntas para lançar campanha de doação de 1 real por tubo de creme vendido para o Instituto Gustavo Kuerten. Convocou 6 crianças crianças que atendem esteticamente aos desejos das marcas, com síndrome de down e um menino com muletas que aparecem em um vídeo de 30 segundos. O ambiente etéreo reforça o esteriótipo de que pessoas com síndrome de Down são anjos. Como uma internauta comentou. ”Parece uma creche celestial pra crianças com Down”.
Em tempos de luta pela inclusão em que escolas particulares foram ao Supremo Tribunal Federal querendo barrar alunos com deficiência de seus estabelecimentos, a imagem passada pelo comercial é a de que crianças com deficiência devem frequentar lugares “especiais”, enquanto a legislação estabelece a inclusão em todos os ambientes, em igualdade de condições com os demais. Além disso, o comercial relaciona deficiência e caridade, outra ligação que o movimento das pessoas com deficiência se esforça para combater. A relação entre caridade e deficiência está tão enraizada em nossa sociedade que até os dias de hoje pessoas com deficiência relatam histórias de estarem desavisadamente esperando algo na rua e serem abordadas por alguém que quer dar esmola. Já pensou passar por isso?
As crianças do anúncio são lindas e, individualmente, poderiam ser modelos de qualquer comercial. O trabalho do Instituto Gustavo Kuerten é muito sério e empresas como a Bayer e outras devem apoiá-lo.
Saudamos e celebramos que as pessoas com deficiência e suas famílias sejam finalmente reconhecidas como consumidoras e estejam cada vez mais representadas nos comerciais. Mas, da próxima vez, sugerimos que a Bayer, outras empresas e agências de propaganda consultem pessoas com deficiência e profissionais de mídia antenados com o tema da diversidade. Porque a publicidade pode ser uma ferramenta poderosa na mudança cultural, mas visibilidade apenas não é suficiente. A mensagem e os valores que acompanham são cruciais. Nesse sentido, a publicidade como meio de comunicação tem o potencial de promover os direitos humanos e a inclusão ou prejudicá-los.