“É assim que começa a febre, a raiva, a sensação se impotência que torna homens bons… em cruéis”
A versão Ultimate de “Batman vs Superman – A Origem da Justiça” foi lançada em Junho de 2016, contava com 30 minutos adicionais de cenas inéditas em relação ao corte que foi aos cinemas, além de que a ordem de algumas sequências foram alteradas para dar maior fluidez ao filme.
Antes de ler essa coluna, desnude-se de toda e qualquer ideia que você tenha sobre esse filme, mesmo que você tenha gostado dele ou que tenha odiado, esqueça as resenhas maneiras e engraçadinhas sobre ele, esqueça o que seus amigos virtuais achincalham ou exaltam nele, faça o exercício de ler sem preconceitos sobre ele.
Aqui tentarei desmistificar (ou não) algumas opiniões repetidas quase como um mantra pelas redes sociais e muito disso passa por você ter assistido à versão Ultimate, não é preciso nem dizer que esse texto está repleto de spoilers.
“É impossível somente 30 minutos a mais fazerem tanta diferença entre a versão de cinema e a versão Ultimate”.
Isso é uma enorme mentira que você conta a si mesmo para não dar o braço a torcer. Por exemplo, todo o arco das suspeitas contra o Superman, desde o resgate de Lois no começo do filme à explosão no capitólio foram enxertados com minutos a mais que fazem total diferença e mostram como uma pessoa pode acreditar que o Superman é uma ameaça ao planeta Terra dando assim, uma explicação no porque do ódio que Batman nutria por ele.
Uma das sequências em que ganhou um sentido foi logo após a explosão do Capitólio. Na versão de cinema, o Superman foge logo após o ocorrido, já na Ultimate, ele fica e se desilude como alguém poderia ser capaz de uma selvageria daquele tipo, junto com a cena um médico socorrista o olhando como quem diz “porque você deixou isso acontecer”, somente após isso é que ele foge para o exílio na montanha, onde encontra o espectro de Jonathan Kent. Temos também mais cenas com Clark investigando quem é o Batman e a violência atribuída a ele, dentre outras cenas que dão um formato mais coeso e fluído ao filme. Essa parte serve para desmentir o mantra “é um roteiro cheio de buracos”.
“Snyder desvirtuou completamente o Superman” e “é um Superman depressivo”. Essas são duas mentiras que os detratores contam muito sobre BvS. Existem diversas histórias do Superman em que ele não é o alienígena boa praça que todos amamos, por exemplo, em “Reino do Amanhã” e convenhamos que um Superman em início de carreira, como é a proposta do personagem no filme, em pleno 2018 também se questionaria a todo tempo se deve ou não se esforçar para salvar a humanidade, ele um cara que tem o poder de literalmente destruir a Terra quando quiser. Na minha visão, isso é muito mais crível que o Superman beirando o escoteiro que boa parte das pessoas falam. Toma-se como base o Superman de Christopher Reeve de maneira totalmente equivocada, os tempos são outros, temos de entender que aquele personagem funcionava em 1978, o mundo vivia a tensão da Guerra Fria, era bem mais crível aquele alienígena boa praça, beirando o desastrado que em pleno século 21. Isso corrobora também com uma discussão que tive com amigos num grupo do WhatsApp do porque do Batman ter um número muito maior de filmes que o Superman… Simplesmente porque é um personagem mais fácil de trabalhar, é um personagem que tem diversas versões nos quadrinhos (algumas cânones, outras não), todas muito diferentes umas das outras e todas com um grande sucesso, o que dá ao roteirista e ao diretor uma liberdade maior, diferente do nosso amado Azulão, todas as versões dele são muito parecidas, agem de forma muito parecida, o que muda geralmente é se uma versão é mais poderosa que a outra, por isso um Superman mais questionador assusta. Não podemos esquecer que Snyder tinha uma proposta muito clara para o personagem, ele queria mostrar a jornada do messias com ele, seu nascimento em “Homem de Aço”, sua morte em “Batman vs Superman” e a sua ressurreição em “Liga da Justiça”, ele seria uma espécie de versão super-herói de Jesus Cristo, que na essência, é isso que o Superman é, pena que não pudemos ver como seria o desfecho disso mas é assunto pra outra coluna.
“Batman muito violento, assassino, com arma de fogo e é burro, manipulado”. Mais outra grande balela usada para desmerecer esse filme forma injusta. O Batman de BvS é quase que totalmente inspirado em “Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, nessa HQ temos um Batman mais velho, amargurado com tudo que acontece em Gotham, nela temos um Batman que usa armas de fogo, sem contar que ele matou no Batman de Tim Burton, está esquecido da bomba que Batman coloca na cueca de um bandido? O Batman de Nolan também matou mas o diretor recorreu à preguiçosa frase ”eu não vou te matar mas também não tenho que salvá-lo” para não aparecer matando Ra’s Al Ghul. Mais que citar outros filmes, temos que entender o contexto que levou esse Batman ao extremo de matar, como disse acima, é um Batman amargurado, passou pela morte de um dos Robins, não sabemos o contexto que se deu a morte do Robin em questão mas todos sabemos que Bruce sempre considerou os Robins como seus filhos (sobretudo Dick Graysson e Jason Todd, sem falar de Damian que é seu filho biológico com Talia Al Ghul), unido a isso, a destruição causada pela briga entre Superman e Zod fizeram com quê Bruce se questionasse até que ponto o Último Filho de Krypton é nosso aliado de fato ou se pode a qualquer momento querer destruir e/ou dominar a Terra, coloque-se no lugar dele, com todo esse cenário, você não teria nem 1% de dúvida? Como você teria certeza que ele de fato é nosso amigo? Você não teria as HQ e os filmes para te mostrar isso. Outro ponto que criticam o Batman de Snyder é o fato dele, teoricamente, ter sido manipulado com os recortes de jornais enviados por Luthor.
Mesmo ele sendo conhecido como “o maior detetive da Terra”, volta e meia é enganado, seja nas HQ, nas animações e nos outros filmes, não esqueça que na trilogia Nolan, a qual eu sou fã e defensor, ele foi manipulado por R’as Al Ghul, por Rachel, pelo Coringa, por Alfred (ELE MESMO!) e por Talia Al Ghul, aonde você já viu Bruce vender o conglomerado Wayne pra uma completa desconhecida chamada Miranda Tate só porque dormiu com ela? Isso se chama roteirismo, todos os roteiristas fazem, seja na DC ou na Marvel, são atalhos usados para dar explicações simples.
“O Batman jamais teria condições de dar uma surra no Superman”. Quem afirma isso demonstra total desconhecimento das HQ. A kryptonita verde retira os poderes do Superman e uma longa exposição a ela pode levá-lo a morte, então só assim que o Batman tem condições de “trocar” socos com ele, não se esqueça que sem os poderes, o Azulão é um mortal comum e não conhece tipos de lutas, já o Batman é extremamente preparado, conhece diversos tipos de lutas marciais, extremamente preparado fisicamente, então é obvio que com o gás de kryptonita verde ele conseguiria uma vantagem na luta corporal.
“Martha”. Sério, todas as vezes que eu vejo alguém fazendo gozação com essa parte do filme, sinto muita vergonha alheia da pessoa. Nesse momento Bruce estava com uma lança de kryptonita verde apontada para Clark e iria matá-lo, ele não tinha mais nenhum artifício a usar, estava subjugado, Batman com o pé na garganta dele, só restava tentar algum tipo de conexão emocional com ele e foi aí que o Superman se lembrou que o nome da mãe de Bruce era o mesmo da sua mãe adotiva. Ao dizer “você deixará que ele mate Martha”, fez com que o Morcego imediatamente se lembrasse da cena da morte dos seus pais, sobretudo com Thomas Wayne caído baleado no chão e falando o nome da sua esposa também baleada e já sem vida. Quando Lois diz a Bruce que Martha é o nome da mãe de Clark o faz perceber que, naquele momento, ele estava na posição do assassino dos pais dele, só que nesse caso ele mataria não somente Martha mas ao próprio Clark (nesse ponto no papel do pequeno Bruce), é aí que o Batman percebe que o Superman e ele são iguais, lutam pelos mesmos ideais, isso é psicologia pura, assista novamente a essa cena, ela é belíssima.
“Aquilo está mais para Coringa do que Lex Luthor, não tem nada a ver com o personagem”. Você sentiu essa mesma indignação quando a Marvel transformou o deus do trovão em um comediante de stand up? Se indignou quando a Marvel transformou o seu personagem mais popular, Spiderman, em um mero Robin do Iron Man no MCU? Se indignou com a descaracterização do Coringa de Ledger? Porque o Coringa de Ledger é lendário, fenomenal, estupendo, visceral mas não tem muito a ver com o personagem clássico. Novamente, é uma releitura, confesso que fosse eu no lugar de Snyder, não teria escolhido Jesse Eisenberg e não teria optado por essa abordagem mas comprei a ideia de Zack, era mais um personagem em construção e isso ficou muito claro na cena extra de “Liga da Justiça”, resquício do material original de Snyder, infelizmente.
“O CGI do filme é muito ruim”. Isso é uma meia verdade, temos bons momentos de CGI, como a luta entre Superman e Zod vista por outro ângulo, os parademônios no pesadelo de Bruce, o Steppenwolf dentro da nave kryptoniana junto com Lex, por sinal, um visual muito melhor do que o usado por Whedon em Liga da Justiça. Porém, o CGI no Apocalypse é sim muito ruim, o que me surpreendeu porque Snyder é um diretor reconhecidamente muito preocupado com visual, figurinos e feições dos seus filmes, não é ruim porque não parece com o Apocalypse da HQ ou de animações, é ruim porque não parece com nada além de um boneco feito com massa de modelar, é extremamente mal feito. Outro ponto que me desagrada no CGI do filme é o exagero do efeito quando o Apocalypse solta as ondas de energia, muitas vezes isso tira a atenção da luta, sobretudo quando a Wonder Woman luta contra ele.
“O filme tem um filtro muito escuro e a fotografia muito poluída”. Concordo plenamente, sou um grande fã do trabalho de Zack Snyder, acho ótimo contador de histórias, acho seus filmes visualmente muito bonitos e sei que ele tem como marca registrada o filtro escuro nas suas obras, porém em BvS, ele exagera nisso, não tinha a necessidade do filme ser tão escuro para passar um ar mais depressivo, se você se lembrar “Watchmen” tem um clima muito parecido com BvS mas o filtro não é tão escuro, o exagero é tanto que se você pegar como exemplo, aquela cena em que Bruce está conversando com Clark na festa de Lex, o paletó do patrão Wayne ficou parecendo que é preto no resultado final do filme mas quando vê imagens dos bastidores, percebe que o paletó é azul e de um tom muito diferente do preto. Sim, o visual do filme é excessivamente poluído, sobretudo no terço final quando a trindade está lutando contra o Apocalypse, isso tirou muito do impacto da cena do Superman morto, não dá pra dizer que não é impactante mas a cena poderia ter outra abordagem visual.
“Lois Lane péssima, só faz atrapalhar”. Isso é outra meia verdade. Lois tem momentos muito bons no filme, como o arco da investigação dela na África (para perceber isso, você precisa assistir a versão Ultimate), em outro momento vemos o respaldo que ela tem com Perry White quando pede um helicóptero mas, de uma forma geral, ela não funciona tão bem quanto em “Homem de Aço”, principalmente no último terço do filme, aquilo de jogar a lança fora, pegar a lança, se afogar tentando pegar a lança, nisso ela desvia o foco do Superman na luta contra Apocalypse, fazendo-o abandonar a peleja para salvá-la da morte, o que foi extremamente irritante.
De uma forma geral, existe muita má vontade com “Batman vs Superman” por parte da crítica e dos blogueiros/youtubers que não aceitam nada que seja diferente do “padrão Marvel”, acho difícil que isso seja pago pela própria Marvel, pra mim isso está mais para o efeito manada, um primeiro crítico e/ou blogueiro com muita reputação entre os seus pares deve ter feito uma crítica detonando o filme por fugir do formato já estabelecido e os demais seguiram o caminho sem perceberem que “compraram” um ponto de vista que muitas vezes não era o deles. Percebe-se uma exigência e um rigor muito maior com os filmes da DC do que com os filmes da Marvel, registre-se aqui que não estou dizendo que A ou B é melhor mas é inegável que a mídia é bem mais benevolente com a “Casa das ideias”. A Warner caiu nessa cilada, se autossabotou em BvS com a versão de cinema incompleta e mal montada.
Eu, esse que vos fala, humildemente acha a versão Ultimate de “Batman vs Superman” o melhor filme de heróis já feito, é um filme inovador, aborda temas que antes foram abordados de forma muito superficial ou não abordados em filme de heróis, como xenofobia e divindade. Tem cenas memoráveis como o Batman no galpão, com certeza a melhor cena de luta já feita em um filme de super-heróis, os diálogos e questionamentos de Alfred com Bruce são maravilhosos, talvez uma das melhores versões de Alfred em todas as mídias, assim como, para mim, a versão desse Batman é a melhor versão que o Morcegão já teve no cinema, é o personagem que eu sempre quis ver, um Batman grandalhão, forte, que mete medo, também não podemos esquecer do ponto alto que foi ovacionado por todos nesse filme, a Wonder Woman! Gal Gadot foi, talvez, a escolha de cast mais controversa da carreira de Snyder mas que se mostrou a mais acertada. Gal e a sua Wonder Woman têm presença de tela, é carismática, é marcante e “vestiu” a camisa do personagem fora das telas, me arrisco a dizer que ela tá uma importância ao personagem similiar a que Hugh Jackman tem para o Wolverine.
Depois de ler essa coluna, peço que você assista novamente ou pela primeira vez a versão Ultimate do filme e venha comentar mas venha com embasamento, chega da picuinha de dcnautas x marvetes.