Roger Corman, que dirigiu e produziu centenas de filmes de baixo orçamento e descobriu estrelas do cinema como Jack Nicholson, Martin Scorsese e Robert De Niro, morreu aos 98 anos. Corman morreu em sua casa em Santa Monica, na Califórnia, na quinta-feira (9), cercado por familiares
Em termos de reconhecimento, 2023 foi um ano perfeito para Corman. Antes de chegar à metade, ele já tinha ganho uma homenagem especial no Festival de Cannes e um Oscar honorário. Fiquemos com este último, mais pela justificativa: tacanhamente traduzida dá algo como “pela capacidade de engendrar filmes e cineastas”.
Raras vezes uma premiação foi explicada com tanta precisão. Desde que entrou para o cinema foi exatamente isso que Corman fez desde que seu nome apareceu pela primeira vez nos créditos de um filme. Mas o fato é que, antes disso, ele já se tornara uma lenda entre os “indies” do mundo.
Esse americano nascido em Detroit em 1926 tinha 28 anos quando assinou o argumento de “The Fast and the Furious”, ou velozes e furiosos, de 1954. Sim, uma espécie de bisavô da atual interminável série com Vin Diesel, que inaugurava os trabalhos da American International Pictures.
Aí já estava em germe um dos talentos de Corman: perceber antes de qualquer outro o que interessava a uma geração de adolescentes, pois esse sempre foi seu público fiel. No ano seguinte, ele já dirigia e produzia o pequeno faroeste “Cinco Revolveres Mercenários”, o primeiro dos 56 filmes em que é creditado como diretor.
Desde os primeiros trabalhos, Corman oscilou entre filmes bons e ruins. Mas mesmo os “maus” tinham um modo especial de ser. Monstros pós-atômicos, alienígenas, naves espaciais marretas, misturas estranhas de humanos e animais, como em “A Mulher Vespa”, ou, como no caso de “A Pequena Loja dos Horrores”, de 1960, plantas carnívoras: um filme feito em pouquíssimo tempo, rodado em dois dias e uma noite, segundo ele mesmo.
Com prazos desse tipo, pode-se imaginar o quanto os assistentes davam duro para ter tudo no lugar na hora das filmagens. E os técnicos também, claro. Mas foi a categoria dos assistentes que mais aproveitaram do contato de Corman e das exigências que fazia. Um deles conta que o novato se apresentava e logo era chamado a resolver uma situação delicada. Os que topavam a parada ficaram.
Alguns fizeram parte até de alguns filmes que se tornaram clássicos, como os da série da virada para os anos 1960 que adaptou contos de Edgar Allan Poe, todos estrelados por Vincent Price. Em especial “A Máscara da Morte Vermelha” e “A Casa de Usher” são lembrados com frequência.
Data desse momento também um filme que diz muito sobre a personalidade e os métodos de Corman: ele acabara de filmar um dos filmes da série sobre Poe e planejava jogar tênis em outro lugar. Mas choveu, e ele pensou que o belo set logo seria desmontado.
Pensou então em uma maneira de improvisar um roteiro para filmar em cinco dias. Para dizer o mínimo, pode-se dizer que “O Terror” resultou algo entre o caos e o nada em 81 minuntos onde quase sempre um jovem Jack Nicholson em uniforme militar passeia a cavalo de um lado para outro.
Outro exemplo do gosto de Corman pela economia era contado por Leon Cakoff. O diretor da Mostra de Cinema de São Paulo enviou a ele, convidado para o evento, uma passagem em classe executiva. Em resposta, Corman telegrafou perguntando se seria possível trocá-la por duas na classe turística, assim poderia levar sua mulher.
Isso foi nos anos 1990. A época de suas obras maiores é anterior: “O Homem dos Olhos de Raiox-X” (1963), “O Massacre de Chicago” (1967), “Os Cinco de Chicago” (1970). Sem contar os filmes em que inventou gêneros, como “Viagem ao Mundo da Alucinação” (1966), em que o LSD era central, ou reciclou outros, como “Os Anjos Selvagens” (1966), aventura de gangues de motociclistas.
Testando assistentes ao longo desses trabalhos, acabou lançando o primeiro deles, Peter Bogdnovich. Tinha uma sobra de contrato de dois dias com Boris Karloff. Propôs a Bogdanovich criar uma história em que pudesse usar o veterano astro do terror durante esse período. Daí resultou “Targets”, ou “Na Mira da Morte”, de 1968, uma das primeiras e mais bem-sucedidas incursões da chamada geração das escolas na direção.
Outros assistentes foram lançados por ele: Francis Ford Coppola, Monte Hellman, Martin Scorsese, Joe Dante, James Cameron, Jonathan Demme. Atores como Jack Nicholson e Peter Fonda também tiveram suas primeiras chances com ele.
Corman dirigiu seu último, notável filme, em 1990: “Frankenstein Unbound” ou “Frankenstein, o Monstro das Trevas”. Nem por isso deixou de produzir, cobrindo as brechas de um sistema cada vez mais voltado ao blockbuster com filmecos feitos rapidamente, quase respostas criativas, como “Carnossauro”, que produziu em 1993 para lançar em vídeo bem quando Steven Spielberg se saía com o “Jurassic Park”.
É difícil imaginar que as superproduções cinematográficas sucumbam como, em outras eras, os dinossauros. Mas Corman passou a vida divertindo seus fãs com seus achados, às vezes às custas desses ricos produtos, sempre com muito pouco dinheiro e imaginação.
Talvez por isso, todos esses ex-assistentes que se tornaram diretores ilustres em Hollywood nunca tenham se cansado de reconhecer a importância de Corman. Mesmo fazendo blockbusters caríssimos, como “Titanic”, de 1997.