Uma série de Tv mudou a forma como as produções eram feitas, abriu caminho para muitas outras que seguiriam e alcançou o status de Cult, tendo uma enorme legião de fãs até hoje. A série é The X Files, ou como era conhecida no Brasil, Arquivo X.
Em 10 de setembro de 1993, no horário nobre do canal Fox dos EUA, estreava Arquivo X, e 22 anos depois, a jornada de Mulder e Scully atrás da verdade retornará à telinha das TVs.
O canal Fox ressuscitou a série Arquivo X para uma temporada curta, no formato minissérie, inspirado pelo sucesso da volta de 24 Horas neste formato.
A série terá seis novos episódios estrelados pelos agentes Fox Mulder e Dana Scully, com os atores David Duchovny e Gillian Anderson reprisando seus papéis, 22 anos depois do primeiro episódio da série original.
A produção dos novos episódios começa na metade de 2015, durante o verão americano. “Eu vejo como um intervalo de 13 anos”, disse o criador da série e produtor executivo Chris Carter. “A boa notícia é que o mundo ficou ainda mais estranho, um momento perfeito para contar essas seis novas histórias”.
“Arquivo X não foi apenas um programa inspirador para o estúdio e para a emissora, mas foi também um fenômeno mundial que moldou a cultura pop – e ainda permanece como uma verdadeira joia para a legião de fãs que o acompanharam desde o início. Poucos shows na televisão têm atraído fãs tão dedicados quanto Arquivo X, e estamos animados em apresentar o próximo emocionante capítulo da história de Mulder e Scully que os fãs estavam esperando”, anunciaram os executivos da Fox.
Não há uma data para o lançamento dos novos episódios de Arquivo X.
O enredo intrincado e as conspirações que originaram Arquivo X não começaram na criação da série, mas teve como base o espírito presente no Macarthismo, a série de Tv Kolchack, o filme O Silêncio dos Inocentes, e milhares de outras referências que permearam diversas gerações. Um acidente bizarro, em uma cidadezinha americana chamada Roswell, no Estado do Novo México desperta até hoje a imaginação dos aficionados da Ficção Científica e de teorias conspiratórias e é neste clima que se desenrola a série.
A queda de um OVNI, em julho de 1947, marcou para sempre aqueles que acreditam que a Verdade está lá Fora, fundindo a verdade e fantasia, tornando as teorias conspiratórias mais interessantes com o passar das décadas. Arquivo X foi um marco dessa mescla: uma série que equilibrava o absurdo, o sobrenatural, o inexplicável com a ciência, o possível.
Quando o criador da série, Chris Carter, apresentou seu projeto na Fox, as séries de TV não ofereciam muita variedade temática, se dividindo entre sitcom’s familiares, produções para o público adolescente e séries de procedimento policiais ou médicas.
Os executivos da Fox viam o projeto de Carter como mais uma tentativa de apresentar uma série de crimes e sensacionalismo, mas isso estava longe da verdade, Carter tinha planos mais específicos, que precisariam de tempo para se desenvolver.
Arquivo X pretendia teorizar sobre a “verdade”. A palavra “teoria” sempre foi perigosa demais, porém, não só para a indústria da TV, mas no entretenimento em geral, onde a regra era facilitar a compreensão das séries com temas mais rasos. E Carter convenceu a todos de que buscaria esta verdade, entre o raciocínio lógico e o imponderável, permeada de teorias científicas e psicológicas, mas sem perder o entretenimento, sempre com inteligência.
O episódio piloto da série, a despeito de perigos de cancelamento, foi feito do jeito que Carter queria, apresentou uma trama alienígena, baseada em uma ocorrência real, usando de todo o arsenal de documentos existentes hoje por toda a Internet, contava com uma abertura sinistra, composta com notas que resistem bravamente aos tempos e trazendo estampada a tagline que se tornou legendária: “The Truth is Out There”, “A Verdade Está Lá Fora”.
Imediatamente esse piloto, que abordava com seriedade um tema sempre fora visto como ridículo, sendo eleito pela comunidade intelectual e crítica como exemplo de originalidade na TV.
A primeira temporada foi composta de elementos fantásticos diversos, mas muito discretamente, voltava a falar da conspiração alienígena, em episódios aparentemente aleatórios, mas que sedimentava a mitologia da série, que se via ameaçada pela baixa audiência.
O final da primeira temporada seria um desfecho para a série, mostrando a inserção definitiva de Scully no universo de Mulder e a morte do Garganta Profunda, personagem chave da conspiração e informante de Mulder. A tagline de abertura também mudou pela primeira vez, de “The Truth is Out There” para “Trust no One”, ou “Não Confie em Ninguém”, mas Arquivo X teria uma segunda temporada.
Ninguém contava com a renovação, e a trama foi redirecionada para permitir algumas ausências de Gilliam Anderson, que estava grávida, ajudando a desenhar o futuro de sucesso da série. A mistura de mitologia com episódios aleatórios contribuiu para envolver o espectador no universo de Arquivo X, que apresentava uma conspiração que escondia a existência de alienígenas, uma ligação direta com o próprio Mulder e sua irmã, Samantha, uma trama criada para ser descoberta aos poucos, desafiando o espectador a montar o quebra-cabeça.
A audiência subiu, a série ganhou seus primeiros prêmios Emmy, e a renovação para o terceiro ano veio antes do esperado, abrindo caminho para que Arquivo X conquistasse seu lugar na história.
Na terceira temporada da série começaram a surgir os primeiro episódios cômicos, como no sensacional “Do Espaço Sideral”, que inovaram, trazendo uma mudança inédita para séries desta temática, além de ficar estabelecido definitivamente que inícios, meados e finais de temporada seriam dedicados à trama central.
Antes do final da temporada, a série já era uma unanimidade de crítica e provocava discussões a respeito de seus mistérios, que transcendiam o âmbito do programa. Havia uma verdade que se impunha com cada vez mais força: a televisão podia, e devia almejar mais do que meras tramas semanais. Mostrando tudo nas sombras e sem previsão de respostas, Arquivo X insurgia, anos antes de Lost ou Fringe, como uma poderosa força de sugestão.
Na quarta temporada Arquivo X tomou proporções globais e com a mitologia estabelecida, podia- se brincar com ela. Mostrou também Scully morrendo, Mulder sendo confrontado com seu pior pesadelo: e se tudo em que ele acreditou até aquele momento fosse mentira.
Entre a quinta e a sexta temporada ocorreria o esperado filme cinematográfico de Arquivo X, e esta trama seria apresentada durante a quinta temporada, a primeira em widescreen. Com a quinta temporada, houve a sedimentação de episódios experimentais, como “Prometeu Pós-Moderno”, todo em preto e branco, e os alívios cômicos se tornam uma tradição esperada.
O filme deveria ser um divisor de águas e foi planejado desta forma. A quinta temporada se despediu de Vancouver, onde era filmada, iniciando o discutível ciclo de concessões ao astro da série, David Duchovny, começando assim os anos malditos.
A sexta temporada aconteceu em meio à tribulação da mudança da série para Los Angeles e concessões feitas para agradar Duchovny, trazendo respostas para enigmas apresentados em temporadas anteriores, às vezes inventivas, às vezes sofridas.
Os roteiristas decidiram o fim da mitologia como a conhecemos, e a sexta temporada terminou sem garantias de uma sétima, com apenas uma pergunta a ser respondida: onde estava Samantha Mulder?
A carência de novas conspirações e novos segredos era tanta que essa foi a sétima temporada transcorreu com o menor número de episódios mitológicos da história da série, que deveria encerrar-se por aí.
O ano sete chegou ao final com ares de fim de série, já que não havia mais mitologia para explorar, foi criada uma abdução para Mulder.
Mas a Fox não queria desistir ainda e renovou a série. Anderson vai ficar, e a cena da gravidez anunciada foi inserida na montagem final. Assim, o programa foi para o oitavo ano sem a permanência de seu protagonista.
A oitava temporada, sem o agente Mulder como protagonista se tornou um problema, porque precisou refazer toda a mitologia da série, mudando o que era sobre a orquestração entre governo e alienígenas, para se focar em aliens decepadores de cabeças.
O que antes tratava de sombras e sutilezas entregou-se aos efeitos especiais. Arquivo X perdeu sua capacidade de teorizar o impossível, dentro do lógico.
Duchovny só aparece em 11 episódios e Robert Patrick assumiu como o novo protagonista, John Dogget. A química dos personagens não acontece, e força-se uma volta, já esperada de Mulder a série, mas de forma quase ridícula.
Scully, Mulder, juntamente com os “novos protagonistas” Dogget e Reyes, interpretada por Annabeth Gish, se deparariam com criaturas invencíveis que faziam parte da nova conspiração. O criador da série, Chris Carter, entendeu que não dava mais pra preservar o espírito da série nos moldes originais, eliminando um dos mais emblemáticos personagens, Alex Krycek, preparando o terreno para um final épico, com o parto de Scully e a quebra definitiva das relações entre Mulder e o FBI.
Um nono ano foi encomendado, e Arquivo X voltou para seu fim, destruída por si mesma, desta vez em definitivo.
A nona temporada trouxe Scully, Doggett, Reyes, mas nenhuma possibilidade de ver Mulder dar o ar da graça antes do final da série. Scully não conseguia manter mais a série sozinha, e Dogget e Reyes não conseguiram agradar aos fãs da série, que queria ver os protagonistas originais na série.
O espírito original da série só esteve presente em alguns episódios. Além do ótimo “Não Confie em Ninguém”, apenas o episódio “William” conseguiu usar a mitologia de modo realmente eficaz. Ironicamente dirigido por Duchovny, o episódio brincava brilhantemente com as expectativas de Scully, depois que ela conhece um homem desfigurado que diz ser Mulder. O destino de William era igualmente genial. Viu-se um pouco do espírito da série vivo em meio a episódios estranhos como “Improvável” e terríveis como “Audrey Paulie”.
Sabendo do fim iminente, Carter resolveu matar alguém, e os Pistoleiros Solitários, ótimos coadjuvantes do período de ouro da série, que amargavam o cancelamento de sua série antes do episódio 14, amargaram mais ainda um final trágico em Arquivo X que era hediondo de tão descontextualizado, em um episódio devidamente batizado “Jump the Shark” (termo utilizado para designar algo feito em uma série que determina seu próprio fim).
O episódio final da série, “A Verdade”, foi exibido em 28 de Agosto de 2002, e logo antes da abertura revelou seu último segredo: a colonização tinha uma data pra começar. Muito antes do fim do calendário Maia ser sinônimo de apocalipse, Carter já usava isso, provando de novo que essa série, por mais agonizante que estivesse, era insuperável na criação de um acontecimento pop. Porém, saber que a colonização começaria em 22 de Dezembro de 2012 acabou sendo o único ponto de interesse do episódio final.
Em duas horas de duração, o episódio final não deu nem um passo sequer em direções realmente surpreendentes. Mulder retornou apenas para fazer o que era esperado desde o primeiro episódio, dar um beijo decente em Scully. Ainda que o sentimento fosse de nostalgia e respeito, a série já tinha sido tão maculada que seu encerramento revelou a inconveniência da maior verdade de todas, a hora de acabar já tinha passado há muito tempo.
Mesmo assim, nenhum desses deslizes prejudicou a influência de Arquivo X, que alcançou um status surpreendente para um seriado de ficção científica.
Apresentando desafios intelectuais, de reavaliação de crenças e mitos, um exercício de escrutínio religioso e moral, Arquivo X foi um marco da junção competente de ciência, teoria e ficção. E depois de dois longas, ainda existem rumores de mais um filme da série Arquivo X. A Verdade continua lá Fora.